O
CAMINHO DA ESPERANÇA (1950)
O cinema interessou-se desde muito cedo
pela sorte dos emigrantes de todo o mundo. Desde “O Emigrante”, de Chaplin, até
“América, América”, de Kazan, passando por tantos e tantos outros títulos: “Os
Emigrantes”, de Jan Troel, “El Norte”, de Gregory Nava, “A Fronteira da
Vergonha”, de Tony Richadson, “Casamento por Conveniência”, de Peter Weir,
“Dance in the Dark”, de Lars Von Trier, “A Emigrante”, de James Gray, “In
America”, de Jim Sheridan, “O Salto”, de Christian de Chalonge, “Uma Rapsódia
Americana”, de Eva Gardos, “A Beter Life”, de Chris Weitz, “Biutiful”, de
Alexandro Inarritu, entre tantos outros mais. Esta é uma lista convocada de
memória, com imensas injustiças pelo meio. É referida apenas como exemplo da
forma como a emigração é vista, sob diversos pontos de vista, por cineastas de
todas as origens e credos. É um tema grave, que a actualidade tornou ainda mais
trágico, mas emotivo, mais controverso, mais polémico.
“O Caminho da Esperança”, que Pietro
Germi realizou em 1950, é seguramente um dos melhores filmes de sempre a
abordar este tema. O argumento, escrito pelo próprio Pietro Germi, de
colaboração com Federico Fellini e Tullio Pinelli, segundo romance de Nino Di
Maria ("Cuori negli abissi"), inicia a sua narrativa na Sicília, numa
mina, em situação de crise e greve. Os mineiros conseguem salvar-se de uma
situação extremamente perigosa, encerrados nas entranhas da terra, mas terminam
no desemprego, com o horizonte de vida mais negro que nunca. É neste clima que
aparece o angariador de viagens, que lhes promete um “caminho de esperança”
para França. “Não podem imaginar como se vive ali, é outra vida, civilizada”,
diz Ciccio Ingaggiatore (Saro Urzì), um traficante sem escrúpulos que procura
seduzir uma assembleia de desesperados que têm à frente Saro (Raf Vallone).
Todos pagam quanto lhes é exigido, todos se reúnem na manhã seguinte para
entrarem numa desconjuntada camioneta que os irá transportar como gado ao longo
das estradas italianas até Roma. Ciccio Ingaggiatore não enganava ninguém que
não quisesse ser enganado. Depois de receber os seus 20.000 liras por cada
cabeça, estipulou a lei: “A partir da saída da Sicilina, quem manda sou eu.
Vocês não perguntam nada, não discutem nada, porque não conhecem nem o caminho,
nem as pessoas, nem o processo”. São homens, mulheres, crianças, admiráveis
rostos de populares que a câmara de Germi e o talento do director de fotografia
Leonida Barboni moldam de forma dramática, sem, no entanto, as manipularem
gratuitamente, sem qualquer intenção menos nobre: Carmelo (Saro
Arcidiacono), um velho com o seu cão de
estimação (uma recordação de “Umberto D”);
Rosa e Luca (Liliana Lattanzi e Giuseppe Priolo), um casal de jovens que
se casara horas antes da partida; Mommio (Renato Terra) e a sua guitarra que
recorda ao longo da viagem as canções da Sicília natal; Lorenza e Antonio
(Mirella Ciotti e Angelo Grasso),um outro casal; Barbara (Elena Varzi), uma
rapariga que a família renegara pela sua paixão por um truculento e violento
Vanni (Franco Navarra); um viúvo, Saro, acompanhado pelos seus três filho… e
está aberto o “caminho para a esperança”, caminho cheio de asperezas e perigos,
de sofrimento e traição, mas que desperta em cada rosto a esperança de um
melhor futuro.
Em Roma, primeira paragem, a desilusão
primeira: Ciccio Ingaggiatore troca as voltas aos emigrantes e deixa-os
entregues á sua sorte. Uns perdem-se nas ruas da capital, outros são presos,
condenados a regressar à Sicília. Mas voltam a reunir-se e a revoltarem-se,
conseguem fugir e apanhar a boleia de outro vigarista que lhes arrebanha as
últimas economias, para os conduzir até à fronteira francesa. A odisseia
continua, porém. Voltam a ser abandonados antes do destino, buscam trabalho e
são aceites numa herdade que procura trabalhadores rurais, mas o que os
emigrantes desconhecem é que estão a furar uma greve e os problemas agudizam-se
novamente. Lançam-se então desesperadamente pelas gélidas montanhas que os
separam do prometido destino, alguns perdendo a vida, enquanto uma pequena
minoria consegue alcançar a fronteira, onde uma patrulha de guarda francesa
fecha os olhos à irregularidade e encolhe os braços que permitem prosseguir o
sonho daquele grupo de sicilianos em busca de um “caminho de esperança”.
A actualidade desta obra é de tal forma
gritante e pungente que por vezes nos julgamos a olhar notícias de 2016. O que
deixa pressupor que a História, com novas roupagens, agora a cores e com outros
apetrechos tecnológicos, se repete.
Reafirmemos uma outra conclusão: Pietro
Germi é definitivamente um dos maiores realizadores do cinema italiano, um dos
grandes nomes de neorrealismo, um cineasta de uma exemplar coerência. Rever em
dias sucessivos algumas das suas obras permite-nos julgar com imparcialidade e
justiça o seu contributo. O empenhamento social é obsessivo, o humanismo
transbordante, o estilo é marcantemente pessoal, a qualidade das imagens tem
uma força e um vigor que as tornam absolutamente pessoais, por muito que se
possa notar a influência óbvia dos grandes cineastas soviéticos (mais Djovenko
nos rostos humanos que Eisenstein, mas também este sobretudo na escolha dos
enquadramentos, na composição dos planos). Mas nota-se também a presença de
outros grandes realistas, como Flaherty, no lado mais documental, ou americanos
como John Ford (As Vinhas da Ira ou O Vale era Verde, para só citar dois
títulos que marcam alguma proximidade com “O Caminho da Esperança”). Mas Pietro
Germi aprendeu seguramente com os clássicos, mas vinca um percurso pessoal,
entroncado no ramo comum do neorrealismo, afirmando-se contudo como uma voz
particular. Alias, associando-se assim aos maiores do cinema itaiano dessa
altura, de Felllini a Rossellini, de Visconti a De Sica, de Dino Risi a
Antonioni.
O
CAMINHO DA ESPERANÇA
Título
original: Il Cammino della Speranza
Realização: Pietro Germi
(Itália, 1950); Argumento: Federico Fellini, Pietro Germi, Tullio Pinelli,
segundo romance de Nino Di Maria ("Cuori negli abissi"); Produção:
Luigi Rovere; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (p/b): Leonida Barboni;
Montagem: Rolando Benedetti; Design de produção: Luigi Ricci; Direcção artística:
Luigi Ricci; Guarda-roupa: Annunziata Piacentini; Maquilhagem: Attilio Camarda; Direcção de
Produção: Sergio Barbonese, Antonio Musu, Enzo Provenzale; Assistentes de
realização: Marcello Giannini, Salvatore Rosso,
Argi Rovelli; Som: Mario Amari; Companhia
de produção: Lux Film; Intérpretes:
Raf Vallone (Saro Cammarata), Elena Varzi (Barbara Spadaro), Saro Urzì (Ciccio
Ingaggiatore), Franco Navarra (Vanni), Liliana Lattanzi (Rosa), Mirella Ciotti
(Lorenza),Saro Arcidiacono, Francesco Tomalillo, Paolo Reale, Giuseppe Priolo,
Renato Terra, Carmela Trovato, Angelo Grasso, Assunta Radico, Francesca
Russella, Giuseppe Cibardo, Nicoló Gibilaro, Chicco Coluzzi, Luciana Coluzzi,
Angelina Scaldaferri, Ciccio Jacono, Michele Raffa, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): inexistente;
Distribuição em Itália (DVD): CristaldFilm; Italinao, com legendas em italiano;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 28 de Abril de
1953.
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