PIETRO
GERMI (1914 – 1974)
É vulgar achar-se e aceitar-se como
justa a ideia de que o neorrealismo criou cinco grandes cineastas à escala
planetária: De Sica, Rossellini, Fellini, Visconti e Antonioni. É usual
acrescentar a esta lista uma outra com realizadores com obra muito interessante,
que se coloca numa segunda linha dessa geração inicial lançada pelo
neorrealismo. Estão neste caso, entre outros, nomes como Alberto Lattuada, Dino
Risi, Pietro Germi, Giuseppe De Santis, Cesare Zavattini, Renato Castellani,
Carlo Lizzani ou Mario Monicelli. Creio que uns se encontram bem enquadrados
nesta classificação, enquanto que outros merecem muito mais do que esse segundo
plano honroso. Merecem uma reavaliação global da sua obra, longe de alguns
preconceitos que os tolheram numa primeira análise, muito sobrecarregada por
motivações políticas ou de género (como, por exemplo, ter-se como subalterna
uma apreciação da comédia, em relação aos filmes ditos “sérios” – que às vezes
dão mais vontade de rir do que as próprias comédias, e pelas piores razões).
Dino Risi e Pietro Germi são dois nomes que merecem muito mais do que serem
considerados “bons realizadores” ou “autores com obras interessantes”. Ambos me
parecem autores na verdadeira acepção da palavra, e ambos se me afiguram
grandes cineastas, com uma obra coerente, consistente e de indiscutível
qualidade e importância.
Pietro Germi nasceu em Genova a 14 de
Setembro de 1914, e viria a falecer muito novo, com 60 anos, em Roma, a 5 de
Dezembro de 1974, tendo-se notabilizado como realizador, argumentista, produtor
e actor. Em todas estas actividades se distinguiu, como realizador ganhou
diversos prestigiantes prémios internacionais (Cannes, várias vezes, Veneza,
Berlim, Moscovo, Mar del Plata, San Sebastian), tendo sido nomeado para muitos
mais, e como argumentista chegou mesmo ao Oscar e ao Globo de Ouro, no primeiro
caso com “Divorzio all'Italiana” (1961), no mesmo ano em que foi nomeado como
Melhor Realizador e, no segundo caso, por três vezes, com “Un Maledetto
Imbróglio” (1959), “Divorzio all'Italiana” (1961) e “Signore & signori”
(1966).
O seu cinema começou por estar
profundamente empenhado em causas sociais, mesmo quando as tratava em tom de
comédia, como foi o caso de “La Presidentessa”. Mas foram normalmente temas
sociais graves, abordados de forma vigorosa que estão na base de alguns dos
grandes filmes deste cineasta pertencentes a uma primeira fase do movimento
neorrealista. Falamos de “A Testemunha” (1946), sua primeira longa-metragem,
passando por “Gioventù Perduta”, “Em Nome da Lei”, “O Caminho da Esperança”, “A
Cidade Defende-se”, “O Bandido da Cova do Lobo”, “O Ferroviário”, “O Homem de
Palha” ou “A 3 ª Chave” (este último de 1959). Depois, o seu cinema, mantendo o
tom de critica social que nunca abandonou, aproxima-se da comédia com “Divórcio
à Italiana” (1961), “Seduzida e Abandonada”, “Senhoras e Cavalheiros”, “O
Imoral”, “Serafino”, até “Alfredo, Alfredo” (1972), seu derradeiro trabalho
neste campo. Pietro Germi teve o condão de ser um autor que tomou posição sobre
problemas do mundo do trabalho, da justiça, da emigração, dos universos
industrial e rural, mantendo quase sempre um bom contacto com o grande público.
Os seus filmes denotam uma sensibilidade natural para, sem pactuar com a
vulgaridade e o fácil, chegarem ao espectador através da razão e da emoção.
Filho de Giovanni Germi, porteiro, e de
Armellina Castiglioni, dona de casa, Pietro Germi perde o pai muito cedo, e
fica com a mãe e três irmãs, Carolina, Gilda e Enrichetta, enquanto frequenta o
Instituto Nautico San Giorgio, cujo
curso acaba por não terminar. Muda-se para Roma e aí inscreve-se no Centro
Sperimentale di Cinematografia. Itália vive já sob o jugo do fascismo
mussoliniano, e esse centro reúne um conjunto de jovens que mais trde serão a
base do neorrealismo. Em 1941 casa com Genova Anna Bancio e seis anos depois
nasce em Génova a filha Marialinda. Divorciado, volta a casar com Olga
D'Ajello, de quem terá mais três filhos, Francesco, Francesca e Armellina.
Morre em Roma, a 5 de Dezembro de 1974, repousando os restos mortais no
cemitério Castel di Guido, perto de Roma.
A sua carreira no cinema começa como
actor, em 1939, quando conta 25 anos, no filme “Retroscena”, onde desempenha
ainda o lugar de co-argumentista. Prossegue a carreira de actor e, no Centro
Sperimentale di Cinematografia, segue o curso de realização ministrado pelo
cineasta Alessandro Blasetti. Em 1945 estreia-se na realização com “Il
Testimone”, a que se seguem “Gioventù perduta” (1947), um policial com nítida
inspiração norte-americana (o filme negro influencia então muito do cinema
europeu, nomeadamente o italiano, veja-se, por exemplo, o caso de “Obsessão”,
de Visconti) e “In Nome della Legge” (1949), um dos primeiros filmes a abordar
o tema da Mafia siciliana e dos barões que dominam o território. Êxito de
bilheteira, ganha o Nastri d'Argento e impõe internamente o nome de Germi. Mas
será com o drama neorrealista sobre a emigração siciliana, “Il Cammino della
Speranza” (1950), que o cineasta atinge a consagração internacional. Passa pelo
Festival de Cannes com sucesso e em Berlim ganha o Urso de Ouro. “La Città si
Difende” (1951) é considerado o melhor filme italiano do ano no Festival de
Veneza, regressando a uma atmosfera de “filme negro”.
Segue-se uma época de relativo
apagamento, primeiro com uma divertida comedia de boulevard, com forte crítica
social, “La Presidentessa” (1952), adaptando ao cinema uma peça teatral de
Maurice Hennequin e Pierre Veber, um "western sulista", como é
considerado “Il Brigante di Tacca del Lupo”, retirado de um romance homónimo de
Riccardo Bacchelli, e, já em 1953, “Gelosia”, nova adaptação de um romance,
este de Luigi Capuana, “Il Marchese di Roccaverdina”.
Após dois anos de pausa, regressa em
1955, com outro grande sucesso que se integra bem na corrente neo-realista, “Il
Ferroviere”, a q eu se segue
“L'uomo di paglia” (1958), novo marco muito positivo na sua carreira. “Un
maledetto imbróglio”, de 1959, retirado de um romance de Carlo Emilio Gadda,
“Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana”, afirma-se como um dos primeiros e
mais logrados exemplos de filme policial italiano. Ambientado em 1927, durante
os anos da ascensão do fascismo em Itália, um comissário de policia
(interpretado pelo próprio Pietro Germi), investiga um roubo de joias num
edifício, onde pouco depois se descobre igualmente um assassinato. Os ambientes
sociais são muito bem transmitidos e o suspense mantido.
Sem abandonar a crítica social, sem se
afastar de um cinema de uma certa austeridade estilística, Pietro Germi entra
na década de 60 com uma comédia que se tornaria um dos grandes títulos da
chamada “commedia all'italiana”, “Divorzio all'italiana” (1961), com
desempenhos magníficos de Marcello Mastroianni e da muito jovem e belíssima e
Stefania Sandrelli. Internacionalmente, o êxito e total com nomeações para
vários Oscars, Melhor Realização, Melhor Argumento Original (Ennio De Concini e
Alfredo Giannetti) e Melhor Actor (Mastroianni). Depois, mantendo o tom de
comédia de costumes, regressa à Sicília para “Sedotta e Abbandonata” (1964),
outra obra de cariz crítico, insistindo no género com resultados magníficos em
“Signore & Signori”, que vence em Cannes. Até final de vida não abandona a
comédia: “L'Immorale” (1967), “Serafino” (1968) e “Alfredo Alfredo” (1972), com
Dustin Hoffman e Stefania Sandrelli, encerram a sua obra.
Uma das razões porque Pietro Germi não
terá sido elevado à categoria de mestre, na galeria dos maiores italianos,
prende-se seguramente como facto de politicamente ser simpatizante não do
partido comunista, mas da esquerda moderada, dita social-democrata. Entre os
anos 40 e os anos 70, precisamente durante a época que o cineasta desenvolveu o
seu trabalho, a crítica cinematográfica italiana, de Aristarco a Barbaro, de
Verdone a Chiarini, de Giammatteo a Rondi, passando por alguns mais, dominou o
panorama italiano, em revistas como “Cinema” e “Cinema Nuovo”, Filmcritica”,
“Rivista del Cinematografo”, “Rezegna del Film”, entre outras. Quando se diz
que dominou quer dizer-se que impos um código e regras que, não sendo
cumpridas, tornariam os seus criadores personas non gratas.
FILMOGRAFIA
Como
realizador:
1946: A
Testemunha (Il Testimone);
1947: Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: O Caminho
da Esperança (Il Cammino della Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il
Brigante di Tacca del Lupo); 1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende);
1952: La Presidentessa; 1953: Amori di Mezzo Secolo (episódio Guerra 1915-18);
1953: Ciúmes (Gelosia); 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de
Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961:
Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada
(Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O
Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone;
1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo)
Como
argumentista
(os títulos sem indicação de realizador, são da autoria de Pietro Germi): 1939:
Retroscena, de Alessandro Blasetti; 1941: L'Amore Canta, de Ferdinando Maria
Poggioli; 1943: O Filho do Corsário Vermelho (Il figlio del corsaro rosso), de
Marco Elter; 1943: Gli Ultimi Filibustieri, de Marco Elter; 1945: I Dieci
Comandamenti, de Giorgio Walter Chili; 1946: A Testemunha (Il Testimone); 1947:
Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: Contro la
legge, de Flavio Calzavara; 1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della
Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo);
1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende); 1953: Ciúmes (Gelosia)1953:
Black 13, de Ken Hughes; 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de
Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961:
Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada
(Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O
Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone;
1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo); 1975: Oh! Amigos Meus (Amici Miei),
de Mario Monicelli.
Como
actor:
1939: Quinto, não Matar (Il Fornaretto di Venezia), de Duilio Coletti; 1946:
Montecassino, deArturo Gemmiti; 1948: Fuga in Francia, de Mario Soldati; 1956:
O Ferroviário (Il Ferroviere), de Pietro Germi; 1958: O Homem de Palha (L'Uomo
di Paglia), de Pietro Germi; 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio), de
Pietro Germi; 1960: Jovanka e as Outras (5 Branded Women), de Martin Ritt;
1960: Lábios Pintados (Il Rossetto), de Damiano Damiani; 1961: Pago para Matar
(Il Sicário), de Damiano Damiani; 1961: A Herança (La Viaccia), de Mauro
Bolognini; 1965: E Venne un Uomo, de Ermanno Olmi
Como
produtor:
1966: Senhoras e Cavalheiros; 1967: O Imoral; 1968: Serafino; 1970: I Giovedì
della Signora Giulia (TV Mini-Series)
Principais
recompensas:
Oscar: 1963: Oscar de
Melhor Argumento Original, para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana);
1963: nomeação para Melhor Realizador para “Divórcio à Italiana” (Divorzio
all'Italiana);
Festival
de Cannes:
1962: Prémio da Melhor Comédia para “Divórcio à Italiana” (Divorzio
all'Italiana);1966: Palma de Ouro, para “Senhoras e Senhores” (Signore e
Signori); (ex-æquo com “Un Homme et une Femme”, de Claude Lelouch);
Festival
de Berlim:
1951: Urso de Prata (categoria “drama”) para “O Caminho da Esperança” (Il
Cammino della Speranza);
Festival
de Veneza:
1951: Prémio de Melhor Filme Italiano para “A Cidade Defende-se” (La Città si
Difende);
Festival
de San Sebastian:
1956: Prémios de Melhor Filme e Melhor Realizador para “O Ferroviário” (Il
Ferroviere);
Festival
de Moscovo:
1969: Prémio de Ouro para “Serafino”;
David
di Donatello:
1964: Melhor Realizador para “Seduzida e Abandonada” (Sedotta e Abbandonata);
1966: Melhor Realização e Melhor Produção para “Senhoras e Senhores” (Signore e
Signori);
Nastri
d'Argento
(atribuídos pelo Sindacato Nazionale Giornalisti Cinematografici Italiani):
1946: Melhor Argumento: “A Testemunha (Il Testimone); 1949: Qualidades
artísticas para “Em Nome da Lei” (In Nome della Legge); 1957: Melhor Realização
para “O Ferroviário” (Il Ferroviere); 1959: Melhor Realização para “O Homem de
Palha” (L'Uomo di Paglia); 1960: Melhor Argumento para “A 3 ª Chave” (Un
Maledetto Imbroglio); 1962: Melhor Argumento para “Divórcio à Italiana”
(Divorzio all'Italiana); 1965: Melhor Argumento para “Seduzida e Abandonada”
(Sedotta e Abbandonata); 1967: Melhor Argumento para “Senhoras e Senhores”
(Signore e Signori); 1976: Melhor Argumento para Oh! Amigos Meus (Amici Miei)
(a título póstumo); 1976: Ruban d'Argent de Honra (a título póstumo).
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